Até o mais ferrenho defensor do “futebol raiz” e contra o futebol moderno consegue admitir que a qualidade técnica do futebol sul-americano caiu imensamente nos últimos anos. Dá para achar uma série de fatores para isso, com a péssima gestão dos clubes e saída de talento jovem como as mais claras.
Mas o futebol brasileiro e argentino, apesar de todos os golpes auto-infligidos, conseguiu manter algo que é muito difícil de conquistar: respeito. O Brasil, depois do 7 a 1, chegou na Copa seguinte como favorito para as casas de apostas e analistas. A Argentina, que não joga bola desde que Maradona tinha menos de 80 kg, continua sendo considerada entre as maiores.
O tijolo ou seja lá o que tenha sido que quebrou o vidro do ônibus do Boca não destruiu só a janela, mas também esse respeito. Foi, talvez, um golpe que não permite recuperação.
A atenção criada e a decepção gerada
Na análise pré-jogo eu brinquei que a mídia argentina pegou opinião sobre o superclássico mais importante da história até de quem estava sumido. Até Rivaldo teve destaque dando seu pitaco, ele que normalmente é um cara anti-holofote.
Não acho que para algo futebolístico que não seja europeu só é válido se aceito pelos europeus, mas foi interessante ver como jogadores e treinadores como Gianluigi Buffon e Ernesto Valverde (treinador do Barcelona) mostraram interesse pela final e o que aconteceria nos gramados da Bombonera e Monumental de Núñez.
Voltando ao comentário que fiz sobre torcedores raiz e contra o futebol moderno, a Libertadores é uma competição valorizada porque ainda mantém uma aura mística que se perdeu nas principais ligas europeias. Estádios antigos sem zonas VIP, torcidas que jogam junto, jogadores que se envolvem de forma mais umbilical com suas equipes e torcedores.
Mas é um erro achar que isso é uma escolha. Os estádios são antigos e mal-tratados porque dirigentes e profissionais ligados nunca souberam tratar patrimônio e valorizar a marca. Isso é diferente de explorar a torcida.
As torcidas são um espetáculo à parte, é verdade. Mas elas também são protegidas e financiadas pelos meios mais escusos, blindando inclusive atividades criminosas. E jogadores se envolvem de forma mais direta, mas também são chantageados e precisam pagar caixinhas para essas torcidas.
E essa é a tragédia da final: o palco foi criado para mostrar dois times hiper-tradicionais, campeões do mundo, celeiros de craques e protagonistas de uma rivalidade incrível. Os jogos terem sido marcados para o sábado à tarde era ideal para alcançar ainda mais públicos no mundo.
O exibido foi jogador com cortes e proteção no olho, confrontos com a polícia, ônibus chegando na base de pedra e gás de pimenta. E nenhuma organização da Conmebol para lidar com a crise.
O que sai disso?
Será muito mais difícil sustentar a romantização do futebol sul-americano sem parecer uma pessoa completamente dissociada da realidade. E a oportunidade de mostrar ao mundo o valor do futebol jogado aqui foi perdida de forma catastrófica.
E não adianta falar “nós não precisamos dessa aprovação”. É com mais público, dinheiro de direitos televisivos, valorização de atletas e maior repercussão (e patrocínios) que vamos acabar com a venda de jogadores aos 17 anos, criar estrutura física e diminuir o gigantesco desnível que existe entre o futebol europeu e o jogado na América do Sul.
O resultado de River x Boca não importa tanto mais. Para cumprir com a informação, nesta terça-feira será decidida a nova data e local do jogo. Só isso já começa a ser absurdo: sem Pablo Perez, motor do meio-campo do Boca, a pedrada no ônibus será “premiada”.
O pior de tudo é que nem há muito espaço para otimismo, para achar que vai mudar, já que três anos atrás aconteceu algo absurdo envolvendo esses mesmos dois times, na mesma competição. E é assim que este texto acaba: há solução, mas dificilmente ela será procurada e alcançada.