Como todo mundo já fez a piada, nós vamos fazer também: crise no Flamengo! Nenhum título em 24 horas!
Palhaçadas à parte, vamos agora relembrar a temporada mais que vitoriosa do Flamengo, que culminou neste domingo (24) com seu sexto título brasileiro – ou sétimo se considerarmos 1987, mas isso não vem ao caso, o que importa é que, pela primeira vez em dez anos, o Rubro-Negro saiu de uma fila incômoda e tem um troféu nacional para chamar de seu, além do timaço.
Uma fila sem fim – até que acabou
2009 pode parecer ontem, mas já faz tempo demais – é só lembrar que, na ocasião do título de 10 anos atrás, o goleiro flamenguista era ninguém menos que Bruno, dá para ter noção? A verdade é que, assim como já falamos uma vez por aqui, o Flamengo não parava de bater na trave nas últimas temporadas, mesmo tendo dinheiro de sobra, planejamento e qualidade.
Parecia que o que faltava era alguém que soubesse unir essas qualidades de fora de campo com um novo pensamento tático dentro de campo, e foi aí que o Flamengo passou os últimos três anos pecando, primeiro com Muricy Ramalho, depois passando por nomes como Zé Ricardo, Reinaldo Rueda, Carpegiani, Barbieri, Dorival Júnior e, finalmente Abel Braga, que começou a temporada 2019.
O começo com Abel Braga
Quando o nome de Abel Braga surgiu como novo treinador do Flamengo, os narizes foram torcidos sem o menor disfarce entre torcedores e jornalistas. Parecia que, de novo, mesmo com todo o dinheiro do mundo, uma gestão exemplar e jogadores excelentes chegando (e permanecendo) no tempo, a diretoria insistia numa gestão conservadora, um mais-do-mesmo que não dava resultados.
Antes de mais nada, é preciso falar justamente sobre o elenco flamenguista, composto por nome que chegaram em dezembro, janeiro, junho e julho e foram responsáveis por transformar o clube carioca numa máquina de fazer gols. Só nesse período vieram primeiro Rodrigo Caio, Gabigol, De Arrascaeta e Bruno Henrique, seguidos por Gerson, Rafinha e Filipe Luís, além do espanhol Pablo Marí já no meio do ano.
As peças estavam lá, mas o treinador Abel Braga simplesmente não conseguiu extrair a máxima capacidade deles, jogadores de Seleção, muitos com experiência na Europa e todos com talento de sobra. Tudo bem, o título do Campeonato Carioca veio tranquilo, mas o torcedor não iria se conformar com tão pouco, por assim dizer.
No Campeonato Brasileiro, o primeiro turno do Flamengo foi longe de ser sossegado, principalmente nas 13 primeiras rodadas, quando o clube acumulou sete vitórias, três empates e três derrotas – em determinado momento, o time chegou a ser 9º colocado. Tudo bem, era uma posição irreal, mas em geral o Flamengo ficava entre 5º e 7º, muito abaixo do que torcida e diretoria queriam e que os próprios jogadores almejavam.
Nesse primeiro momento, o time desperdiçou pontos contra times que mais tarde se mostrariam presas fáceis no segundo turno, como Atlético-MG, Fluminense e Corinthians. Derrotas também contra Internacional e Bahia mostravam um Flamengo apático, pouco criativo e que não sabia usar as peças que tinha – embora já tivesse um excelente ataque, já que, nessas ditas 13 primeiras rodadas, o Flamengo balançou a rede em 11 oportunidades, com 25 gols marcados.
Bem antes desse período, porém, Abel já havia dado adeus ao Flamengo. Alegando razões pessoais, o treinador se desligou do clube no finzinho de maio, antes da pausa para a Copa América. Depois de alguns interinos como Leomir de Souza e Marcelo Salles atuando por algumas semanas, viria a mudança que, poucos contestam, trouxe de vez o troféu e a glória para a Gávea.
Chega Jorge Jesus para mudar a história Rubro-Negra
Não podemos dizer que o fenômeno de técnicos estrangeiros seja novidade no Flamengo. O Colombiano Rueda treinou o time em 2017, e a ideia de trazer um nome forte de fora nunca foi rechaçada no Ninho do Urubu. As opções recentes, porém, eram sempre de treinadores da América Latina. A última vez que um europeu havia treinado o time carioca, por outro lado, foi há quase 70 anos.
Jorge Jesus chegou ao Flamengo tendo no currículo uma carreira já bem vitoriosa em Portugal, especialmente comandando o tradicional Benfica, clube com o qual o treinador havia levado três Campeonatos Portugueses e mais uma penca de outros troféus.
Famoso por um esquema de jogo moderno e ousado, com muita posse de bola e pressão no adversário quando não a tem, Jorge Jesus chegou ao Flamengo tendo peças luxuosas para explorar em todas as posições e apoio da diretoria para adaptar o clube ao seu estilo de jogo – não fosse isso, o técnico não teria sobrevivido aos primeiros jogos, incluindo a turbulenta derrota de 3×0 para o Bahia e a eliminação da Copa do Brasil perante o futuro campeão Athletico-PR.
Como em todo trabalho série de futebol, levou tempo até o Flamengo se adaptar a Jorge Jesus na mesma proporção que levou a Jorge Jesus se adaptar ao Flamengo. Neste primeiro momento, Palmeiras e Santos assustavam e se impunham na tabela, com o Rubro-Negro correndo atrás do prejuízo, com dificuldade num primeiro momento. No começo de agosto, porém, depois da derrota para o Bahia (a pior do campeonato, porém última até o momento), as coisas começaram a mudar.
O Flamengo já tinha um senhor ataque, mas foi então que se tornou uma máquina de vencer e golear. Os próprios Palmeiras (3×0) e Santos (1×0) se tornaram vítimas dessa eficiência ofensiva e solidez defensiva no começo de setembro, e o Flamengo acumulava vitórias fáceis e pontos a perder de vista, tendo batido times como Ceará, Avaí, Cruzeiro e Internacional fazendo 15 gols e sofrendo, contra esses seis adversários citados, apenas dois.
Da 16ª rodada em diante (a vitória contra o Ceará) em diante, o Flamengo não saiu mais da liderança, e de lá, desde ontem, ninguém mais o tira.
Campeão de tudo e mais um pouco
Demorou mais do que o time gostaria, mas o Flamengo foi campeão brasileiro de um jeito inusitado, mas não menos espetacular: sem entrar em campo, mas menos de 24 horas depois de se sagrar também campeão da Libertadores – a cereja no bolo é a coincidência de o título da América ter vindo no mesmo 24 de novembro que veio em 1981.
Falamos bastante da temporada do Flamengo, do jogo contra o River antes de ele acontecer e depois de ele acontecer, e aqui vamos falar sobre o troféu do Brasileirão. Esse título foi sendo construído há muitos meses e isso é inegável, mas não deixa de ter uma carga simbólica muito forte ver como ele chegou no grande dia: através da derrota do time que ainda poderia roubar a taça do Flamengo.
Estamos falando, é claro, do Palmeiras, que foi derrotado pelo Grêmio por 2×1 dentro do Allianz Parque, em São Paulo. É verdade que um simples empate já era suficiente para que o Flamengo ficasse com o título, mas quis o destino que o mesmo Grêmio que foi humilhado pelos cariocas nas semis da Libertadores, algumas semanas atrás, vencesse o único que rival que, hipoteticamente, ainda poderia ameaçar o Flamengo.
Antes da vitória do Imortal contra o verdão, porém, precisamos resumir o que foi a temporada flamenguista, e nada fala com mais propriedade sobre isso do que os números conquistados ao longo da temporada. Ainda faltam quatro jogos para o Campeonato Brasileiro terminar, mas o Flamengo já tem um ataque virtualmente inatingível, com 73 gols feitos, além de 30 sofridos (terceira melhor defesa).
Entre os atletas, o Flamengo se destaca sem concorrentes na artilharia. Bruno Henrique, com 18 gols, e Gabriel “Gabigol” Barbosa tem 22, além de 11 assistências, aparecem em segundo e primeiro lugar, respectivamente. Máquinas de fazer gol imparáveis, especialmente Gabriel, que fez o diabo em três minutos contra o River Plate, como todo mundo viu.
Pela frente estão quatro partidas, e três dos adversários são bem simbólicos, quis o destino também: Ceará, o mesmo cuja vitória sobre no primeiro turno deu a liderança definitiva ao Flamengo; Palmeiras, o perseguidor número um e, por fim, o Santos, perseguidor número dois.
No fim, porém, isso pouco importa. Importa que o Flamengo, depois de uma década, é hexacampeão brasileiro e, acima de qualquer crítica, bem merecido.