
“É um momento especial. A gente tem que aproveitar. Valorizar mais. A gente pede tanto, pede apoio, mas a gente precisa valorizar. É lógico que emociona. O momento emociona, eu queria estar sorrindo, ou chorando de alegria. Eu acho que é esse o primordial”. Martas às lágrimas.
“A gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. É querer mais, treinar mais, se cuidar mais. É estar pronta pra jogar o quanto for. É isso que eu peço para as meninas. Não vai ter Marta, Cristiane, Formiga pra sempre. E o futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Então pense nisso, valorize mais. Chore no começo pra sorrir no fim”. Marta aponta para a câmera.
Essas foram as palavras da nossa maior jogadora assim que soou o apito final em Le Havre, após o jogo válido pelas oitavas de final da Copa do Mundo Feminina, do qual o Brasil saiu derrotado – e eliminado – pela França, por 2×1.
Emoção não faltou nas palavras da melhor jogadora do mundo, e para muita gente vai além disso: o que a fala da camisa 10 do Brasil pode nos dizer depois de uma Copa do Mundo como essa, na qual as mulheres – finalmente –, ao que parece, começaram a receber a atenção e respeito que merecem?
Audiência recorde

Como não deve ser surpresa para ninguém, essa foi a Copa do Mundo Feminina com maior audiência da história. Nos seus 28 anos e 8 edições, nunca tanta gente esteve ligada no que rolava em campo quando eram 22 mulheres nas quatro linhas como em 2019.
Isso por si só já é algo a se comemorar, independente do seu gênero ou linha de pensamento – afinal, o esporte é, por princípio, uma criação humana que enobrece o espírito e quebra barreiras de todo tipo, e quanto mais gente interessada nele, melhor.
Se muita gente estava assistindo, certamente que não foi por acaso. O nível das mulheres jogadoras de futebol cresceu demais nos últimos anos, e os grandes clubes brasileiros, europeus, americanos e de tantos outros lugares estão levando cada vez mais a sério seus departamentos atléticos femininos.
Mesmo assim, o futebol feminino é marginalizado, considerado “de segunda”, ironizado e, em suma, tido como uma categoria inferior em relação à sua contraparte masculina. Não é hora de isso começar a mudar, para o bem de todos e todas?
O que falta para “chegarmos lá”?

Nem uma criança seria inocente a ponto de dizer que o futebol feminino já está em nível de igualdade com o masculino (tirando talvez nos EUA) quando o papo é investimento e visibilidade. Os gigantes da Europa e do Brasil sabem muito bem que as garotas tiveram e ainda têm que correr atrás de um prejuízo de décadas, e é só agora, numa era em que os discursos e ideais estão absurdamente polarizados, que surgem vozes mais altas pedindo igualdade em salários, tratamento e reconhecimento.
No Brasil, país que vive uma onda de conservadorismo notável, não é de impressionar ver gente menosprezando o esforço das atletas, ironizando nos comentários de redes sociais e tudo aquilo mais que todos estamos acostumados a ver. Mudar esse pensamento vai de cada um internamente, claro, mas ver o impacto de uma Copa do Mundo como essa pode e deve dar sua contribuição.
A geração do Brasil da Olimpíada de 2004 praticamente deixou de existir, e o que fica na memória são os grandes momentos como a prata naquele ano e em 2008 e o segundo lugar na Copa do Mundo de 2007.
Em 2015 e 2019 não vimos campanhas primorosas, mas a importância das jogadoras brasileiras é crescente e notável enquanto vozes e modelos. A tendência, ainda bem, é que meninas vejam o grande exemplo das jogadoras de hoje para se tornarem elas mesmas as atletas do futuro. Esse é o primeiro passo, mas isso é subjetivo. O que precisa existir, na prática, é investimento na base desde cedo.
Para alegria dos torcedores, muitos times grandes já começaram a fazer isso (o São Paulo, os quatro grandes do Rio, entre outros), e é essa semente sendo plantada que pode garantir o que colocamos nas aspas lá no começo: o nascimento de novas Martas, Cristianes e Formigas.

Muita gente vai torcer o nariz e usar os argumentos rasteiros de sempre para dizer que, se as mulheres querem os mesmos “privilégios” que os homens no futebol, que façam por merecer.
Só em 2019 já vimos Megan Rapinoe calando a boca de ninguém menos que Donald Trump, que provocou a jogadora dizendo que, antes de falar em não querer visitar a Casa Branca e conhece-lo, como manda a tradição, ela devia ganhar a Copa do Mundo. Rapinoe ganhou o troféu e, de brinde, os prêmios de melhor jogadora e artilheira.
No que depender de sangue nos olhos, elas vão continuar jogando como garotas e calando a boca de quem ousar menosprezar os esforços de anos e anos dentro e fora de campo para chegar lá.