O domínio inglês na temporada europeia

Quando Eden Hazard bateu com a categoria magistral que lhe é peculiar o último pênalti na disputa de semifinal do Chelsea contra o Eintracht Frankfurt e garantiu os Blues na final da Liga Europa contra o Arsenal, uma coisa inédita aconteceu: ambas as finais das duas competições continentais europeias de clube passariam a ser decididas por times do mesmo país.

Meu colega Miguel já fez uma bela análise do que foram os duelos épico Tottenham x Ajax e Barcelona x Liverpool, que garantiram ambos os ingleses na final da Champions, e a seguir vamos fazer as seguintes reflexões: como a Inglaterra se tornou o primeiro país a fazer história através de seus clubes? O que torna o futebol na Terra da Rainha algo tão formidável atualmente?

Quem já chegou perto

Todo mundo lembra bem do que foi a semifinal Barcelona x Chelsea em 2012 – o Fernando Torres nunca vai esquecer

Antes que vocês falem aí em voz alta “Espanha!”, sinto furar sua bola e esclarecer que quem chegou mais perto de repetir a glória dos ingleses foram…os próprios ingleses.

O melhor desempenho dos espanhóis nas duas competições europeias da mesma temporada foi em 2011-12, quando o Atlético de Madrid derrotou o Athletic Bilbao na final da Liga Europa, mas ambos Real Madrid e Barcelona caíram nas semis para Bayern de Munique e Chelsea, respectivamente.

O desempenho dos ingleses na fase moderna de ambas Champions e Liga Europa, por outro lado, viveu seus dias de sombra, claro, mas em geral é consistentemente de alto nível. Para se ter noção, por três temporadas seguidas os ingleses conseguiram colocar três times entre os quatro semifinalistas da Champions (de 2007 a 2009) e, na temporada seguinte, viram ambos Liverpool e Fulham nas semifinais (com o Fulham chegando na final) da Liga Europa.

Aliás, esta é a primeira temporada que ambos os finalistas da Liga Europa são ingleses, mas visto que três dos quatro semifinalistas da Champions também o são, não dá pra chamar de coincidência. O nível mudou, e mudou para melhor.

A Premier League contra as outras ligas na Europa

Lucas Moura largou o banco de reserva do PSG para se tornar herói do maior feito da história do Tottenham em competições europeias até hoje

Se tem um assunto que rende discussão em mesa bar, programa esportivo e sessão de comentários de internet é aquele sobre qual é o melhor campeonato de futebol no mundo, e como medir isso.

Alguns defendem que o melhor torneio é aquele que conta com os melhores jogadores, e por isso se atiram nos braços do Campeonato Espanhol, até recentemente lar de ambos Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, invariavelmente considerados os dois melhores da atualidade pela maioria dos torcedores.

Outros defendem que um campeonato só pode ser considerado bom ou ótimo se for realmente equilibrado, e aí cai por terra o argumento a favor não apenas do Espanhol, que só tem dois times na disputa todo ano – três se forçar muito a amizade – como também vão juntos Alemão, Espanhol e Francês, cujo vencedor se repete tanto ano após ano que pouca gente de fora agora tem a paciência de acompanhar.

Nesse papo é bem provável que surjam os ufanistas de plantão defendendo o Brasileirão, um campeonato que, de fato, é muito disputado todo ano e é bem difícil prever o campeão antes que a bola comece a rolar no começo da temporada.

Infelizmente é difícil concordar que seja o maior de todos, mas o Brasil não cansa de provar seus méritos ano após ano, fazendo bonito na Libertadores, enviando time fortíssimos para disputar Mundial de Clubes e montando elencos criados na base, com gente talentosa que, para bem ou para mal, sai do país para ganhar o mundo nos gigantes da Europa.

Aliás, talvez o problema seja justamente esse: com tanto talento brotando nos canteiros de base, porque os estádios são sucateados, os times são endividados e os melhores vão embora tão cedo? Uma bela discussão para algum outro post qualquer dia desses.

Mas e a Premier League nesse papo todo? Por que o Campeonato Inglês, até 30 anos atrás considerado um dos mais chatos e feios de assistir e fechado em relação ao resto da Europa, hoje em dia ganhou o status de melhor do mundo e, ainda por cima, provando consistentemente seu valor ao enviar seus times para finais de ligas europeias – hoje mais do que nunca?

A forma inglesa de fazer e jogar futebol

Wijnaldum fez dois e Origi mais dois para garantir o Liverpool na sua segunda final consecutiva de Champions, só que dessa vez chegando como favorito

A Inglaterra é o país onde mais podemos esperar surpresas num campeonato, pra começo de conversa. Fosse de outra maneira, o Leicester City nunca teria sido campeão inglês há poucos anos. Você consegue imaginar um time que veio da segunda ou terceira divisão italiana, alemã ou espanhola se sagrando campeão com méritos iguais aos dos Foxes? Dá para visualizar o Sassuolo erguendo a taça do Calcio ou o Augsburg virando canecas de Paulaner com o troféu da Bundesliga na mão?

Tudo bem, ainda assim aquele timaço de 2015-16 é uma exceção, mas isso não modifica o fato de que a forma de se jogar bola na Terra da Rainha é diferente. Eu poderia fazer uma digressão enorme aqui, falando sobre como nomes como Sir Alex Ferguson e Arsène Wenger revolucionaram o futebol inglês e elevaram o nível da competição para o espetáculo que é hoje, mas não é o foco. O foco é entender como isso aconteceu e suas consequências.

Investimento

Pra começo de conversa, há a questão financeira. Clube de nenhum país recebeu investimento estrangeiro da maneira que alguns ingleses receberam.

Os primeiros nos quais pensamos são Chelsea e Manchester City, claro, mas não são só eles. Existem times que são de propriedade de famílias ou grupos milionários (Crystal Palace, Everton, Leicester, Manchester United) e outros cujos acionistas majoritários são donos de uma parte tão grotescamente grande do clube que praticamente são únicos donos (Arsenal, Fulham e os próprios City e Chelsea). Mesmo os menores clubes conseguem fazer boas contratações todo começo de temporada – vide o timaço do Fulham no papel, ainda que não tenha dado certo na prática.

Tal investimento permite que até mesmo os clubes considerados menores consigam contratar jogadores renomados e fazer ótimas campanhas (dentro da enorme competitividade da liga inglesa). Se não fosse assim, como Felipe Anderson seria do West Ham ou Rui Patrício do Wolverhampton? A comparação é para ser feita não com rivais de Premier League, mas com os times de onde tais jogadores saíram (Lazio e Sporting Lisboa, no caso, dois gigantes da Itália e Portugal, respectivamente).

Casa cheia, bolso cheio

Mesmo estádio antigos e menores como o Goodisoon Park foram modernizados para entrar no padrão da Federação Inglesa (FA) e estão sempre lotados

Logo depois do dinheiro vem a questão da gestão, que garante a saúde financeira dos clubes, e também o fato de os clubes conseguirem fazer com que o torcedor se interesse pelo espetáculo.

Até mesmo o jogo mais mixuruca conta com casa cheia, e o que justifica isso são características como qualidade dos estádios (modernos, limpos e confortáveis), nível de jogo esperado (sempre alto) e toda uma campanha de marketing e benefícios para associados de cada clube – de modo que o estádio seja não apenas um lugar de diversão para quem quer ver um jogo, mas também um passeio para se fazer com a família, um lugar de compras e, acima de tudo, um espaço seguro.

Foi unindo essas características que a Inglaterra se tornou o país com times riquíssimos que lotam estádio, contratam estrelas (além de produzir as próprias) e, acima de tudo, oferecem disputa real a cada ano, mesmo que os protagonistas dificilmente mudem.

São quase sempre cinco ou seis times que têm chance de levantarem o caneco e também ir longe nas competições europeias, mas isso por si só já é diferente das ligas concorrentes – afinal, qual é a graça de ver um filme que você já sabe o final, que é exatamente a metáfora para os campeonatos francês, italiano e alemão, no mínimo?

O que esperar das grandes finais

Aubameyang fez três dos quatro gols do Arsenal sobre o Valencia, que levaram o time a uma final europeia pela primeira vez em 13 anos

Cinco ingleses já estão garantidos na próxima Liga dos Campeões, independentemente dos resultados, e, não bastasse, a Premier League é o último campeonato europeu a chegar na sua última rodada com o título ainda em aberto, graças a campanhas espetaculares de ambos Manchester City e Liverpool, recordistas de pontos.

Resta aos torcedores de Tottenham, Liverpool, Chelsea e a Arsenal esperar que seus respectivos clubes façam bonito um frente ao outro. As odds em Betfair para o campeão da Liga dos Campeões é de 2,5 para 1 se der Tottenham e 1,5 para 1 se der Liverpool. Na Europa League, título do Chelsea paga 1,65 par 1, enquanto que se o troféu for para o Arsenal, o pagamento é de 2,25 para 1. É clichê e óbvio, mas só podemos dizer que, independentemente dos campeões, o futebol inglês já ganhou. O país mostrou ao mundo, de novo, que está num patamar difícil de rivalizar.

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